domingo, 5 de dezembro de 2010

a indefinição do amor

amo
o teu encanto
que é segredo de encantos
lua n’água em reflexo pleno
sol no ar em transe suspenso
amo
a tua forma
que é a síntese de várias formas
feitio de pétalas soltas ao vento
graça de auroras no firmamento
amo
a tua expressão
objetivo calado do verbo
síntese completa da idéia desejo
calor horizontal que termina nos lábios
amo
o teu gesto
compulsivo – quase insano
de mulher

sábado, 13 de novembro de 2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

thanatos

angústia
é não saber o que virá
quando o sopro que infla
findar,

e restar somente o nome
sem o tempo
imerso na ausência,

e não saber se o que é matéria
dilui um nada
de existência,

e resta o filho
com o nome do pai
que é o avô –

bisneto da saudade que há
e mesmo ela, a saudade
conduz
à outra saudade
que é saudade multiplicada
por milênios,

angústia
é não deter a finitude
quando o corpo já não responde,

e a sombra
transcende
cerrando o medo da verdade –

onde somos poeira
varrendo o cosmos da solidão
que se encontra poeira, de mais poeira
somos sol, que brilha e apaga

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

fulgidez

menina d’água
de rubrosas pernas
desejo tua pele de gelo

menina d’alma
florei tuas arcas
de destino venturoso,

fui teu servo mais íntimo
e o mais acerbo
sombrio e quimérico

a tua injúria e o teu suplício
um invólucro noturno na luxúria
o ópio e a melancolia,

agora, que foste embora do meu leito
respiro n’alma os lençóis úmidos do amor
que deixaste, o odor amargo do teu calor
que aos poucos esvai-se, do meu peito

o vagabundo iluminado

devora-me, ó inverno de passado sublime
leva meu corpo trêmulo
antes que o devore negro túmulo

deixa-me preso com as púrpuras margaridas no sangue
a neve farta para que não me falte a febre
a neblina espessa para que meus olhos não sintam a morte,

livra-me o peso do mundo, tenho fome
a sede fluida das montanhas ondulosas
ao pé da bruma remoto meus pecados maculados

no soluço estancado dos remorsos
o delírio murmurejante das lágrimas
dá-me a paz dos amantes, o encanto soante,

olhai meus sonhos marejados
brotados do Igaraçu
dos náufragos no azul
deixa-me o gozo dos homens supérfluos

oração

quero o virtuoso cheiro dos sem-fins
de buquês cruentos e prantos
o vinho nas manhãs de alfazemas

dá-me a flor dos serafins
nos nevoeiros onde os bêbedos
vagam uma esmola das magnólias,

dá-me luz e outro nome
um beijo e o gozo que emerge
somente a ventura faz calar a miséria

venha a força e o grito absorto da matéria
ó alma dos enfermos
sombra dos sudários,

trazeis vossos pecados da carne
o odor dos relicários violados
o ermo e os eternos apaixonados
dá-me mulher e arte

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

poema comum

a fumaça inebria a noite
a mulher que me olha
não encontra palavras
no entanto, o seu sopro
como que me invade
de palavras que não há
não das palavras que existem
mas das que estão por vir
como a fumaça que vai ao céu
essas palavras me preenchem
com a substância do que é vazio
da palavra
enquanto coisa
objeto
pois só dentro de mim
ela ri e chora, ganha vida
como o copo de vinho tragado se esvai
o menino que me olha
e o tempo em seu olhar
passageiro
como a palavra
que lhe dá um nome
uma identidade
um lugar entre os homens
um chão em que possa pisar
sentir-se firme
embora seja fumaça

palavra
ou vida
embora amanhã faça frio
e a tarde caia negra
e os sinos dobrem, é o tempo
passageiro
é o sopro a buscar os lábios
a fervura da água
o asfalto derretido e o homem derretendo
sobre a cidade de Teresina
mesmo que a cidade
de outro nome se chame Parnaíba
e o nome é o tempo da cidade
flácido, líquido em suas ruas
é o sonho, medida do tempo
não do corpo que possui a cidade
mas da cidade que o possui
e é a mesma em todo lugar
igrejas, praças, casas
e o tempo em cada lugar
é o velho na praça e o moço
que olha a mulher
que vê o cachorro
e ninguém sabe do tempo – codificado
mas o latido é o tempo
e o sorriso da mulher contém
o tempo do moço e o velho
é todo tempo – ser desejado
como a noite sem palavras
e o cigarro queimando o tempo
é o vento, passageiro
real
é o corpo, derradeiro
ruminando a cidade
fazendo do outro – o próprio tempo
um lugar que não há
não dos lugares que conhece
e vive e mora e anda
razão do tempo
mas o espaço que se encontra
entre o olhar da criança
e os olhos da mãe
entre o rio e a margem seca
o pavio aceso e a explosão
é o cosmos
o formigueiro em construção
tempo de milhares
de corais e o sal corroendo o tempo
é o mar, coisa de areia
palmeiras e homens-peixe
é a rede capturando os anos
mas o tempo é a rede
a teia da aranha imóvel
no canto da parede
e a mosca que em vão se debate
a mão do homem reza
o filho chora, a mulher o ama
e o tempo é saudade
campo do que já foi
o primo, o vizinho esquecido
o telhado quebrado
a paixão, outrora desafio do tempo
mas o tempo não se contém
como o lobo no cio à procura da caça
o catador de lixo perscruta
altivo, seu rosto é o tempo
a língua, enquanto nervo em transe
é a própria medida
concreta
e bebe e suga e lambe
o hálito matinal da cozinha
e fere, o coração e o pão
mas o grão é o tempo
que nasce
já feito
e morre
ainda novo – tempo inconseqüente
como a saia da mulata
rendeira, vendendo suas frutas
seu busto aberto ao sol
o alimento do dia
mas o dia não cresce
e o alimento não rende
o beijo não cessa
a luz apaga – mas é dia
e noite de vaga-lumes
o tempo

tempo;
já não existe
só o poema
comum
cotidiano
raro enquanto fumaça
que é seco
e é pânico de luz
não da luz do amanhã
que a todos chega
mas o ponto perdido acima das nuvens
do mesmo ar que falta
e abunda
que prende o pássaro
e o sol na altura da queda
é a chuva
e molha e varre e suspende
na suspensão mesma da palavra
a ramagem das folhas
é o que sobra
e nas esquinas há sombra
dos meninos ao chão
do nosso individualismo
tosco
medíocre
comum

thanatos

angústia
é não saber o que virá
quando o sopro que infla
findar,

e restar somente o nome
sem o tempo
imerso na ausência,

e não saber se o que é matéria
dilui um nada
de existência,

e resta o filho
com o nome do pai
que é o avô –

bisneto da saudade que há
e mesmo ela, a saudade
conduz
à outra saudade
que é saudade multiplicada
por milênios,

angústia
é não deter a finitude
quando o corpo já não responde,

e a sombra
transcende
cerrando o medo da verdade –

onde somos poeira
varrendo o cosmos da solidão
que se encontra poeira, de mais poeira
somos sol, que brilha e apaga

terça-feira, 27 de julho de 2010

noite

o calor, libertino
na febre dos dedos
tenho o prazer e liberto
embevecido da tua saliva
em meus olhos
tenho o rastilho
do teu pescoço
inebriante – feito açúcar
granulante em minha língua
absorvida
eu rego os teus seios
e perco, sempre,
a direção do teu ventre umedecido
pela nervura dos lábios
no tempo que seja
enquanto tempo não vivido
ser teu corpo
– eu me esqueço
que sou –
e desatino

insólito

procurei em tuas pernas
a matéria da poesia;
do que poderia ser feito o músculo
que pulsa qual um coração
quando meus dentes o arranham
dos pêlos eriçados
qual um cacto do sertão
quando minha língua
os absorve
do que seria feita a pele
se do branco
fosse rubro
ao sabor do que lhe chega ao ouvido
das veias aflorando sangue
igual ao vulcão expelindo calor
sob o peso das mãos
é a medida do verso
a matéria das pernas;
feito um inseto
iluminando a noite
eu, bicho-homem
devassei teu campo de flores

quarta-feira, 21 de julho de 2010

indefinições



o amor é rotação
universo das tardes
é ânsia sem contorno
sentimento que atravessa
- horizonte devorado,
o amor é infantil
objeto do silêncio
ouve-se
pelos ângulos da luz
é vôo indolente
floresce onde menos se espera
na seiva do céu
na urdidura do sono
a atmosfera cresce
caudalosa
gerando o fruto
influxo da razão
vapor
inalado – fecunda o riso
os dias bravios
só resta entender
a projeção do mar
nessa carência que é negação
nessa fogueira cotidiana
morremos
abrasados de não-amor
sejamos areia
que se entrega
esse gozo lunar
que é único
raro e eterno

terça-feira, 20 de julho de 2010

Eros

o equilíbrio
distante
no silêncio
quase o toco
com mãos de Baco
e fogo retínico de Apolo
distante
um negrume em meu deserto
floresce
e na moldura dos dias
esvai-se
lento
dizer adeus – é abortar
o mundo das entranhas
os seios
frêmitos
implodem libélulas
no turbilhão que é lírico
no perfume


que em ti
é ilusão
e desejo
da alma que é frágil
e é luz no espelho
um rio
distante
deságua em mim
onomatopéias do que é cheio
e vazio
convém te amar
nessa clareza rouca
nesse canto radioso
que murmura e transcende
é renúncia
e condição
da minha procura

a dissolução do sujeito




tempo
efêmero das horas
na busca dos rastros
eu te arrasto ao mar
tempo – deus vida – intransigente
eu te mastigo e vento
nas velas e nos versos
o ancoradouro e as pedras
horizonte dissolvido em tempo
ouro, grãos de sol
do nascente ao pôr
tempo
homem – sombra do vir-a-ser
eu te desenho os membros
dos corpos expostos
harmonias em dissonância
flor da paixão e da morte
eu te guio e me esqueço
animal desprovido de tempo