quinta-feira, 23 de setembro de 2010

fulgidez

menina d’água
de rubrosas pernas
desejo tua pele de gelo

menina d’alma
florei tuas arcas
de destino venturoso,

fui teu servo mais íntimo
e o mais acerbo
sombrio e quimérico

a tua injúria e o teu suplício
um invólucro noturno na luxúria
o ópio e a melancolia,

agora, que foste embora do meu leito
respiro n’alma os lençóis úmidos do amor
que deixaste, o odor amargo do teu calor
que aos poucos esvai-se, do meu peito

o vagabundo iluminado

devora-me, ó inverno de passado sublime
leva meu corpo trêmulo
antes que o devore negro túmulo

deixa-me preso com as púrpuras margaridas no sangue
a neve farta para que não me falte a febre
a neblina espessa para que meus olhos não sintam a morte,

livra-me o peso do mundo, tenho fome
a sede fluida das montanhas ondulosas
ao pé da bruma remoto meus pecados maculados

no soluço estancado dos remorsos
o delírio murmurejante das lágrimas
dá-me a paz dos amantes, o encanto soante,

olhai meus sonhos marejados
brotados do Igaraçu
dos náufragos no azul
deixa-me o gozo dos homens supérfluos

oração

quero o virtuoso cheiro dos sem-fins
de buquês cruentos e prantos
o vinho nas manhãs de alfazemas

dá-me a flor dos serafins
nos nevoeiros onde os bêbedos
vagam uma esmola das magnólias,

dá-me luz e outro nome
um beijo e o gozo que emerge
somente a ventura faz calar a miséria

venha a força e o grito absorto da matéria
ó alma dos enfermos
sombra dos sudários,

trazeis vossos pecados da carne
o odor dos relicários violados
o ermo e os eternos apaixonados
dá-me mulher e arte